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OPINIÃO | Porque estamos com o Ano Novo à porta: Reflexões de e para a Nossa Diáspora, por Diniz Borges

OPINIÃO | Diniz Borges;
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Estamos na despedida de 2022.  Em breves dias estaremos a dar as boas vindas a mais um ano.  As mudanças de calendário têm os seus rituais.  Um deles é revisitarmos os últimos 365 dias e o outro é fazermos projetos e mudanças nas nossas vidas pessoais e coletivas para o ano que entra.  Apesar de  ser sempre bom olharmos para o passado, e com ele aprendermos as lições que nos ensina, prefiro neste fim de ano fazer uma lista coletiva, da diáspora açoriana e portuguesa na Califórnia, que talvez seja extensiva a toda a nossa diáspora nos dois grandes países da nossa emigração no continente norte-americano:  EUA e Canadá. Espero que ninguém se assuste. Ei-la!

Que tenhamos mais escolas secundárias, do ensino público californiano (e por todos os estados da união americana e todas as províncias do Canadá), com cursos de língua e cultura portuguesas.  Não há melhor forma de estarmos dentro do multiculturalismo destes dois países.  Que nessas escolas haja docentes conhecedores das nossas vivências e das novas tecnologias do ensino de línguas.  Que a comunidade saiba apreciar e trabalhar com os docentes para que a nossa língua e cultura não fique circunscrita a meia dúzia de famílias.  Que lembremos a nossa língua ou a língua dos nossos antepassados, de vez em quando nas nossas festividades (o bilinguismo é sempre o melhor caminho porque não deixa ninguém na escuridão), nos nossos eventos e nas nossas famílias.  Que aqueles que a sabem, a utilizem, de vez em quando nas redes sociais, como no Facebook.  Aliás, a língua portuguesa é das mais utilizadas nessa rede social.  Que os meus amigos luso-descendentes não tenham medo de a usar, mas que tenhamos a consciência de que se não mudarmos radicalmente o paradigma no ensino da mesma e se Portugal não acreditar no potencial das suas comunidades, o caldo ficará para sempre entornado.  E que ao mesmo tempo, a língua não seja barreira para o conhecimento da cultura, da literatura, das tradições.  Pode parecer paradoxal, mas não o é;

Que continuemos a ter mais jovens luso-descendentes nas nossas organizações.  Que esses jovens percebam a responsabilidade que lhes cabe, neste momento da nossa história coletiva como diáspora. É que, como já o disse, repetidamente, o que trabalhou para as gerações dos vossos avós e dos pais, meus caros jovens, não trabalhará para as vossas gerações.  Que os jovens adultos, na casa os 20 e 30, compreendam que a continuidade está na geração deles e das gerações ainda mais jovens e que há que, sem desrespeitar o passado, construir o futuro;

Que o nosso movimento associativo conceba que não pode viver fora do mundo americano e canadiano.  A única forma de sobrevivência é a nossa adaptação ao mundo a que pertencemos e a nossa aceitação das outras etnias que compõem o mosaico humano que são estes dois países.  Que tenhamos a capacidade de perceber essa realidade hoje, porque amanhã poderá ser tarde demais;

Que abdiquemos de um orgulho banal que ainda infesta alguns setores das nossas comunidades.  Não somos melhores do que outros grupos étnicos.   Que tenhamos a idoneidade de compreender que todas as culturas têm valores, todas têm virtudes e todas, incluindo a nossa, têm vicissitudes.  Que aceitemos e abracemos os outros, como seres humanos, que tal e qual como nós, têm as suas aspirações, sonhos e desejos.  Que percebamos as outras culturas antes, muito antes, dos nossos filhos estarem casados com alguém de outra etnia, outra raça e outro credo religioso.  Se somos religiosos, aceitamos que as outras religiões são tão importantes como a nossa.  Que se olharmos à religião como um clube fechado, ao qual só nós temos direito, estaremos a estagnar-nos.   E que recebamos, tal como disse recentemente o Papa, aqueles que não são religiosos.  Lembremo-nos que toda a gente é pessoa, título de um programa de rádio, em tempos idos, do Padre António Rego;  

Que saibamos entender o nosso lugar na sociedade.  Somos imigrantes, como os outros imigrantes, com ou sem documentação.  Nós também fomos estrangeiros!  E há muita gente nossa que mesmo depois de vivências de décadas no continente norte-americano ainda é estrangeira, e Deus e o Menino Jesus bem sabem que também temos os nossos “indocumentados”;  

Que tenhamos a capacidade de entender que não somos “povo escolhido” (um conceito perfeitamente patético).  Que somos do mesmo berço e que partilhamos traços unificadores com muitos outros grupos étnicos que se identificam como latinos nos EUA.  Que culturalmente estamos muito distantes dos povos do norte da Europa e primos, mas primos chegados (como dizia a minha santa avó) dos povos do sul da Europa e dos sul-americanos, continente que também colonizamos;

Que admitamos que nem tudo no nosso legado cultural é correto, que a nossa história, como nação e como povo, também tem os seus períodos escuros, os seus momentos amargos, as suas desilusões e tribulações, que as saibamos enfrentar;

Que tal como nós gostamos das nossas festividades, com a nossa gastronomia, a nossa música, e a exibição da nossa bandeira, os outros grupos étnicos também têm os mesmos desejos e o mesmo direito a exibirem a sua bandeira e a pactuarem pelas suas causas, acrescentando eu há quem o saiba fazer melhor do que nós e com os quais deveríamos aprender;

Que apesar de estarmos num país estrangeiro, pelo menos os imigrantes, como eu, é bom recordarmos dos valores humanistas que trouxemos e que incutiram a nossa cultura durante séculos, que sempre fomos um povo aberto ao mundo, que fomos dos primeiros europeus a abolir a pena de morte, a aceitar a diferença dos outros, a defender os direitos das mulheres, a lutar pela justiça social;

Que admitamos que a nossa cultura é extremamente versátil e rica, não por ser a cultura de uma rua, de uma freguesia, de uma vila, de uma ilha ou de uma região, mas porque é uma cultura marcada pelas experiências que tivemos no mundo, que as culturas, todas elas, do mundo da língua portuguesa são importantes e em pé de igualdade com a da nossa rua, da nossa freguesia, da nossa vila e da nossa região;

Que estejamos abertos a olhar para a cultura além do que já sabemos.  Que tenhamos a visão de encararmos a cultura além de uma música, de uma noite de castanhas, de um jantar de chicharros, de um bailinho e de uma tourada.  A cultura também é feita de artes plásticas, de poesia, de literatura, de música erudita, de exposições, de jornalismo, de debate de ideias;  

Que apesar de contermos um, número crescente de emigrantes e luso-descendentes enevoados com a neblina cerebral da Fox News e das Newsmaxes deste mundo altamente politizado e dividido, na nossa terra, na terra dos nossos pais ou avós, sempre dissemos: Boas Festas ou Festas Felizes, ao lado de Feliz Natal.  Que ao contrário do que gente de memória curta queira imprimir, ou outros cujos pais, infelizmente, não souberam ou quiseram passar algumas das nossas tradições, não o fazíamos por qualquer uso do “político correto”, mas sim porque faz parte da nossa idiossincrasia; 

Que tenhamos orgulho, no bom sentido da palavra, da nossa presença em terras americanos e canadianas, mas, simultaneamente, que admitamos que temos ainda muito a fazer.  Que perpetuar o nosso legado português, açoriano e madeirense só será possível se colocarmos as nossas inventadas diferenças na borda do prato e se tivermos a capacidade de olharmos e aprendermos como outros grupos étnicos, outras culturas, sobrevivem no multiculturalismo destes dois países; 

Que trabalhemos no sentido de termos mais profissionais de origem portuguesa na medicina, na jurisprudência, nas artes, na política, na ciência, na comunicação social americana e canadiana, no ensino e no mundo académico; 

Que não tenhamos receio de enfrentarmos um Portugal muitas vezes desarticulado com a sua Diáspora.  Que aceitemos que as nossas vivências e as vivências dos nossos filhos e netos, fazem-nos diferentes de quem não saiu da sua terra, e que essa diferença é um bem para Portugal.  Que jamais fiquemos por um elogio fácil e uma visita circunstancial.        

É uma lista grande!  Os desafios das nossas comunidades não são pequenos.  O risco de não os enfrentarmos terá alguns custos.  Seria bom que os enfrentássemos.

Em dias festivos, tomemos o copo, brindemos a vida e olhemos com determinação ao futuro que já cá está.  A Diáspora açoriana tem muito a dar nos países de acolhimento e muito a dar aos Açores.

Feliz Ano Novo!

PBBI/DB/RÁDIOILHÉU

Mauricio De Jesus
Maurício de Jesus é o Diretor de Programação da Rádio Ilhéu, sediada na Ilha de São Jorge. É também autor da rubrica 'Cronicas da Ilha e de Um Ilhéu' que é emitida em rádios locais, regionais e da diáspora desde 2015.