Jair Messias Bolsonaro foi recentemente derrotado, por uma margem demasiado perigosa, nas recentes eleições brasileiras. O presidente cessante, que se espera tenha uma réstia de dignidade e regresse a casa serenamente em janeiro de 2023, fez campanha ao longo dos últimos anos utilizando o slogan de “Deus acima de tudo.”
Trata-se de um slogan evidentemente falso, pois qualquer pessoa que já tenha perdido tempo a ouvir um discurso de Bolsonaro rapidamente se apercebe que de religioso ele nada terá. Pelo menos não de uma religião de amor, de proximidade e de solidariedade. O Deus que ele apregoa é um Deus falso, que criou para convencer os seus apoiantes, com recurso a um populismo sem limites, cimentado em mentiras constantes e meias-verdades.
Não será apetecível, nesta altura do campeonato, pensar em Jair Bolsonaro. Mais para mais quando o seu primo, no espetro do neofascismo, acaba de pré-anunciar a sua recandidatura à presidência dos Estados Unidos da América. Mas não é do Brasil que escrevo hoje, mas sim de seriedade. E mais concretamente da seriedade do Governo Regional dos Açores, que veio agora a público pedir para que todas as pessoas que se batem pela cultura no arquipélago sejam mais sérias, como o afirma ser o chefe de gabinete de Sofia Ribeiro.
O senhor escreveu um longo discurso no Diário Insular de 8 de novembro sobre os seus imensos e autoimpostos méritos na área dos assuntos que ele gosta de chamar culturais, debitando colaborações, participações e intervenções diversas. Parágrafo atrás de parágrafo, elucidou as açorianas e os açorianos que teriam, eventualmente, alguma dúvida sobre o seu arcaboiço cultural. Podemos até desculpar-nos se julgarmos estar a ler uma candidatura a um futuro cargo de direção, ou algo do género. Certamente, será um lapso de quem não possui um currículo tão vasto como o do senhor.
Em contrapartida, o que possuímos é a capacidade de não branquear as questões que se encontram neste momento em cima da mesa. Questões importantes, como a capacidade de sobrevivência dos agentes culturais na Região, que necessitam de dignidade, mas também necessitam de quem saiba gerir a causa pública. A esta altura era de esperar que tivesse já sido apresentada uma proposta, por parte do Governo, para a melhoria significativa da lei vigente, e nunca esquecer questões que Sofia Ribeiro e António Bulcão já procuram atirar para debaixo do tapete, como o estatuto de profissionalização do artista nos Açores, ou a estratégia para a gestão do audiovisual, relembrada de forma séria e justa por Luís Filipe Borges, em carta aberta recente, no Diário dos Açores.
Possuímos ainda a capacidade de recordar ao senhor chefe de gabinete que não vale tudo, e que não se podem justificar despedimentos com um suposto equilíbrio de contas que já aqui desmontamos noutras alturas. Como se pode alegar que se despedem funcionários precários para restituir equidade à função pública, quando o dinheiro que se vai poupar nesses despedimentos irá cobrir campos de golfe e outros compromissos de compadrio? A justiça que se procura é a de equilibrar poderes numa coligação que só não fratura porque a sede de ir ao pote é maior do que o ódio interno?
Por fim, relembro, ainda, questões de seriedade relacionadas com o património cultural do arquipélago, que António Bulcão aparentemente nem se dignou a ter em atenção quando fala nos seus assuntos culturais. Onde estão as verbas para preservação do património classificado? Que investimentos e estratégias existem para o manancial de manifestações imateriais que se encontram por estudar, nas nove ilhas?
Não haveria necessidade de eu escrever este artigo, se a seriedade que promove existisse mesmo. Mas, tal como o Deus de Bolsonaro, a seriedade da Secretaria Regional da Educação e Assuntos Culturais tem servido de bandeira, populista e eleitoral. É uma muleta para as inverdades que se alegam, quando, durante dois anos, não se resolveram problemas e agora podem mandar pessoas para a rua, e se atira a cultura ao abandono final. O resto, são migalhas dispersas, que não servem para acabar com a fome, nem para cobrir os telhados que deitam água, ou para dar emprego a quem precisa dele e o merece, para estimular e melhorar a qualidade do trabalho na Região.
Quem prefere um campo de golfe à contratação ou manutenção de um bom profissional, demonstra a sua qualidade de gestão.
Portanto, sejamos sérios.
Alexandra Manes, Deputada do BE, à ALRAA