ATUALIDADE | Criação de rede pública de ‘vigias da baleia’ nos Açores proposta durante seminário no Faial
“É preciso contar a história e defender a figura do baleeiro açoriano”. A salvaguarda da narrativa identitária ligada à baleação nos Açores esteve em destaque num debate promovido pela Associação de Turismo Sustentável do Faial.
“Que lugar ocupa hoje a baleação nas narrativas identitárias e na dinâmica cultural e económica da nossa sociedade?” foi a questão que serviu de mote a uma mesa-redonda sobre a forma como protegemos, divulgamos e integramos no quotidiano o património e a tradição baleeira da Região, e que contou com oradores ligados às atividades de preservação do património e museologia, investigação e observação de cetáceos.
Pedro Filipe, proprietário de uma empresa marítimo-turística, propôs a criação de uma rede pública de vigias [local de observação], que “pode ser utilizada de forma mais coerente para dar apoio ao ‘whale watching’”, acrescentando que deve ser da responsabilidade do Governo Regional “recuperar as vigias e os acessos”, ficando a cargo dos operadores marítimo-turísticos o pagamento dos salários dos vigias contratados.
Para o empresário, a criação de redes de vigias pode “contribuir para dispersar [no mar] os barcos que fazem ‘whale watching’”.
Sobre a ligação entre a observação de cetáceos e a baleação nos Açores e a criação de narrativas, lembrou que “os vigias e as vigias são as únicas coisas que transitam da atividade da caça para o ‘whale watching’”, e lamentou que as vigias existentes no Faial se estejam “a perder”. Neste sentido, apontou como exemplos a vigia das Concheiras, no Capelo, que “já foi vandalizada muitas vezes”, e a dos Cedros, que “está fechada”.
Pedro Filipe afirmou que procura contar aos seus clientes a história da baleação nos Açores, salientando a importância de “contextualizar a caça e explicar por que se fez”. “É preciso contar a história e defender a figura do baleeiro açoriano, que transportou com ele um saber e uma cultura que hoje aplicamos de outra forma”, vincou.
Segundo o empresário, os turistas não se interessam apenas pela observação de cetáceos, mas também pela história da baleação, “que valorizamos através da única profissão que se manteve, que é a do vigia; é ele quem nos coloca ao pé do animal”.
“O vigia é a prova viva que a baleação deixou grande riqueza que tem de ser valorizada. Ir para o mar ver baleias ‘nos ombros’ dos vigias só acontece nos Açores”, declarou.
O empresário destacou, ainda, o facto de “na região, ter-se passado da caça para uma atividade de conservação e proteção”, e referiu que “em vez de caçar-se baleia com arpão, caça-se com máquina fotográfica”.
Arquivo de Memórias da Baleação Açoriana
Durante a mesa-redonda, Luís Bicudo apresentou o seu projeto ‘Arquivo de Memórias da Baleação Açoriana’, em co-autoria com o historiador Francisco Henriques, que resultou de entrevistas, realizadas entre 2010 e 2016, a baleeiros de todas as ilhas dos Açores. Neto e bisneto de baleeiros, Bicudo realizou, também, em 2013, a sua primeira longa-metragem, “Baleias e Baleeiros”.
“O filme foi o ponto de partida para o arquivo. Foram entrevistados cerca de 40 baleeiros no Faial e no Pico, e foi durante a produção do filme que se desenvolveu o método de entrevista para o arquivo”, contou.
O cineasta referiu que o arquivo é, sobretudo, um “projeto de história oral, e o objetivo é a salvaguarda das memórias [da baleação]”.
Este arquivo, com 95 horas de vídeo, está depositado no Museu Dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, e é composto por 118 entrevistas a 100 pessoas. Uma das temáticas com maior número de entradas no arquivo é a ‘iniciação’. “Um dos temas mais marcantes para os baleeiros é a primeira vez que foram à baleia”, referiu.
Recuperação dos botes reativou memória coletiva da baleação
Foi na primeira década deste século que houve um grande impulso de recuperação do património baleeiro nos Açores. João Pedro Garcia, antigo presidente do Clube Naval da Horta e ex-presidente da Junta de Freguesia do Capelo, teve um papel ativo na recuperação deste património no Faial.
O ex-autarca acredita que a recuperação dos botes “poderá ter reativado a memória coletiva, que podia estar adormecida” e defendeu a necessidade de uma maior articulação entre o património baleeiro e o sector do turismo.
A mesa-redonda “A Baleação e o Faial” contou, ainda, com a participação de Carla Dâmaso, coordenadora do museu da Fábrica da Baleia de Porto Pim, de Márcia Dutra, que tem trabalhado no resgate e investigação do património móvel, imóvel e documental das antigas armações do Faial, e de Nina Vieira, da Universidade Nova de Lisboa, que tem feito um trabalho de investigação sobre a história da caça à baleia em Portugal, Brasil e África.
ATSF/RÁDIOILHÉU