OPINIÃO | A próxima vez: Para uma futura visita do Presidente da República à Califórnia, por Diniz Borges
A Califórnia, o estado norte-americano com o maior número de açorianos e açor-descendentes na união americana acaba de receber a visita do Presidente da República. Uma visita marcante, quer pelo que visitou, quer pelo que não visitou. A Califórnia é um estado colossal, e obviamente, em quatro dias e meio o presidente não poderia estar em tudo, e fez um périplo impressionante. Ao longo dos dois dias dedicados exclusivamente à comunidade de origem portuguesa, o presidente visitou quatro comunidades emblemáticas deste estado e, literalmente, tirou milhares de selfies. Uma visita presidencial é um momento especial, é um momento de festa, e houve festa. Porém, no momento crucial que a Califórnia vive (assim como outras zonas da nossa diáspora) teria sido útil, um momento de reflexão: um momento para ouvir a diáspora.
Porque águas passadas não movem moinhos, há que regozijarmo-nos com a passagem do chefe do estado português à Califórnia. Há que celebrar o seu espírito alegre e festeiro, a sua proximidade com as populações, o seu esforço de se desdobrar, por várias parcelas da nossa diáspora, que neste estado está presente em mais de 500 cidades e vilas, desde Arcata no Norte, a San Diego no Sul, desde as cidades juntas ao estado de Nevada até às zonas costeiras, banhadas pelo Pacifico.
Porque o Presidente da Republica ainda tem mais 3 anos e pouco do seu mandato, porque gosta de estar perto das populações, porque, como me disse em dois minutos de breve conversa que acredita num Ministério da Diáspora, acho que voltará à Califórnia e daí que com a humildade de como dizia Eugénio de Andrade, “inábil aprendiz da vida”, e com mais de meio século de vivência intensa (demasiada, como dira a minha família) na nossa diáspora da Califórnia, ficam algumas sugestões para a sua próxima visita, que esperemos seja em breve.
Primeiro, e porque como escreveu o Diário Insular de Angra, num excelente editorial: quem não se sente não é filho de boa gente, gostaria e a comunidade também (menos aqueles que se preocupam com a comunidade, como dizia a minha avós – dos dentes para fora), que na próxima vez trouxesse na sua comitiva o Presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores. Podem acusar-me de açorcêntrico, rótulo que aceito com muito gosto e diria até, palavra que não gosto muito de usar, porque é abusada: honra. Tenho muito orgulho na minha terra e não gosto de a ver desprezada. Somos portugueses por nacionalidade e prezamo-nos nisso, mas somos açorianos por identidade. O menos que falta é ouvir-se na Diáspora californiana: I’m Portuguese from the Azores. Apesar de ninguém me querer ouvir, continuo a dizer, bem alto, que só sem entende a Diáspora deste colossal estado entendendo-se os Açores. Daí que na próxima visita será essencial, e até como respeito pela comunidade, incluir-se o Presidente do Governo Regional dos Açores. Acredito que assim será! Como espero que uma visita à África do Sul ou a Venezuela, inclua o Presidente do Governo Regional da Madeira, e porque não os deputados com assento no Parlamento que representem a Madeira. É que as Regiões Autónomas têm, como sabemos, estatuto político diferente.
Segundo, e porque já houve festa em várias zonas, sugeria que na próxima viagem haja um espaço para os professores de língua e cultura portuguesas. Para todos, desde o ensino básico ao universitário. Na verdade, alguns professores fizeram o esfoço (e acredito que não foi fácil) de num fim de semana levarem alunos à festa, foi o que se viu em San Diego e em Gustine. Porém, como verdadeiros heróis da língua e cultura portuguesas, a língua que está em crise na Califórnia, onde temos 4400 escolas do ensino secundário com apenas 11 a ensinarem português, e onde a língua já não é falada na vasta maioria das nossas famílias, a próxima visita terá de incluir um espaço para os professores, que seja mais do que uma oportunidade fotográfica, mas sim um encontro de discussão e de planeamento, em torno do plano estratégico para o ensino da língua portuguesa, criado pela comunidade em 2018. Que a próxima viagem inclua um encontro com os alunos do ensino secundário na Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, porque é a única que tem um presidente doutorado em português e espanhol, que fala a nossa língua e onde no ano de 2020, escassos dias antes de tudo fechar com a pandemia (e não foi a primeira vez), tivemos cerca de 300 alunos de cursos de língua portuguesa do Vale de San Joaquim. Na próxima visita, com o seu estilo de exímio comunicador, podemos ter, sem qualquer exagero, 500 alunos das várias escolas, saudando e ouvindo o Senhor Presidente.
Terceiro, o Vale de San Joaquim, no interior da Califórnia, poderá não ser o lugar mais bonito, mas também não é assim tão rural como já o cognominaram. Nele está Fresno, a quinta maior cidade da Califórnia e a décima mais multicultural nos EUA. O Central Valley, como é popularmente conhecido, alberga 4.5 milhões de habitantes (quase metade da população de Portugal) e produz uma amalgama de produtos, com tecnologia de ponta, e onde os portugueses, e luso-descendentes, maioritariamente, com raízes nas ilhas dos Açores têm tido um papel relevante. Para além de haver açor-descendentes com herdades que ordenham mais de 10 mil vacas e possuem milhares de acres de produção agrícola, a nossa gente está nos cargos mais significativos da agropecuária, desde a gestão de mega- empresas até à pesquisa em faculdades de ciências agrárias. Acredito que na próxima visita o Presidente da República terá oportunidade verificar que o Central Valley é o maior aglomerado da Diáspora portuguesa na Califórnia e contemplará, tal como fez no Sul da Califórnia desta feita, a visita a duas zonas distintas. São três horas de carro (sem transito) desde Tulare a Stockton. Na próxima vez, verificará que a nova migração, não é dos Açores, nem da Madeira, nem de Portugal continental, mas sim de famílias portuguesas e luso-descendentes do Norte e Sul da Califórnia para o Central Valley.
Quarto, na sua próxima digressão afianço que o Presidente da República, quererá ter um encontro com as artes, com homens e mulheres, quase todos descendentes das ilhas de bruma, que escrevem sobre a nossa identidade em terras americanas. Como homem da academia, afirmou que era acima de tudo professor universitário, que tinha tido na sua carreira mais de 30 mil alunos, portanto quererá conhecer romancistas como Anthony Barcellos, poetas como Lara Gularte, Sam Pereira, Millicent Borges-Accardi entre tantos outros. As relações com Portugal não podem ficar meramente pela vertente económica. As artes são essenciais para a nossa presença no mundo americano, e delas nascem muitos projetos económicos.
Quinto, tenho a certeza de que na próxima visita, que como se disse terá de ocorrer nos próximos três, o presidente terá oportunidade de se reunir com o Governador da Califórnia, como o fez o Senhor Primeiro-Ministro em 2018, e com a vice-governadora, como o fez o Presidente do Governo Regional dos Açores, em 2019. Uma reunião que será frutífera, até porque a Califórnia e Portugal têm muito em comum, incluindo uma resolução entre o Senado deste estado e o Parlamento da Região Autónoma dos Açores. Um encontro com o Governador, na próxima visita, será extremamente benéfico, não só para o nosso país de origem, mas sobretudo para a nossa Diáspora. Uma visita quando o poder legislativo estiver em sessão é ainda importante para que, em sessão conjunta, como quando António Costa aqui esteve, haver uma oportunidade de se dirigir a ambas as câmaras em Sacramento. Nem sempre é possível, bem o sabemos, apesar do calendário do Governador mostrar que esteve em São Francisco (quartel-general da visita) durante o último dia da visita do Senhor Presidente.
Sexto, porque toda a política é local, como o disse o antigo Speaker da Câmara dos Representantes Thomas “Tip” O’Neill, há várias décadas, e porque o programa “people to people” que vem desde a era Eisenhower e enriquecido pela administração Kennedy, ainda é a forma mais eficiente de se aproximar as pessoas, a geminação das cidades, particularmente quando estas têm presença da nossa Diáspora. São cerca de dez cidades californianas que têm geminação com cidades portuguesas, a mais velha geminação Tulare com Angra do Heroísmo, que é a mais antiga de Portugal com uma cidade americana, com 56 anos de vida e com programas culturais e intercâmbios ativos. Ressuscitar as menos ativas, fazer com que sejam verdadeiros espaços de intercâmbio e de uma nova forma de aproximação que vá além de meia dúzia de elites e pseudoelites, será algo que, certamente, terá interesse para a próxima vez que o Senhor Presidente da República venha à Califórnia.
Havia outras sugestões, porém fiquemos por estas, porque tal como a visita que ocorreu recentemente, o Presidente não poderá ficar muitos dias. Na generalidade a recente visita do Presidente da República à Califórnia foi um momento de festa, reconhecimento para a nossa Diáspora e uma boa oportunidade de se falar da Diáspora da Califórnia na imprensa nacional (a imprensa dos Açores é muito diferente-fala várias vezes de nós e dá-nos espaço), a qual com raras exceções (rdp-internacional é uma delas) não tem muita imaginação ou espaço para a nossa Diáspora neste estado. As reportagens, na generalidade, falaram de festa, optando por não tocarem nos desafios que enfrentamos. É mais fácil.
O Presidente da República voltou a Belém, a Diáspora da Califórnia continua com as mesmas preocupações, com os mesmos dilemas, mas a contar os dias para a próxima vez. É que apesar do Presidente referir que até teria gosto em ser “visiting professor” na Califórnia, o que seria bom, e claro que as portas em Santford, que até tem essa tradição, devem estar abertas, a verdade é que seria bom, com as sugestões referenciadas, e com espaço para refletir connosco, que nos visitasse ainda em funções.
DB/FRESNO/RÁDIOILHÉU